Wednesday, July 29, 2015

Resiliência Inflacionária


Como grande parte dos insumos e bens de capital tem seu preço vinculado ao dólar, o repasse cambial é um importante mecanismo de controle da inflação. Posto de maneira simples, quando o Banco Central (BC) eleva a taxa SELIC, há um influxo de dólares buscando aplicações mais rentáveis e o câmbio cai, o que torna mais barato os insumos e bens de ativo importados. Dessa forma, parte desse barateamento é repassada para os preços com os quais o consumidor se defronta.

Contudo, recentemente, o câmbio tem se mostrado insensível ao aumento da taxa paga sobre os títulos públicos (1). Supõe-se corriqueiramente que a causa seja a piora da imagem do país frente aos investidores internacionais, que – mesmo diante de uma taxa de retorno mais elevada – recusam-se a comprar títulos da dívida do governo brasileiro. Pode até ser que seja parte da estória, porém disputo a ideia de que seja o fator preponderante.

Outro mecanismo de transmissão da política monetária é o efeito recessivo provocado pela elevação dos juros, que encarece e reduz os investimentos e as compras a prazo de bens de consumo duráveis, o que por sua vez reduz a produção, a renda e o emprego. Em última instância, esse processo acarreta a redução da demanda agregada e a consequente desaceleração da inflação. Entretanto, a inflação tem se mantido crescente, mesmo diante da recessão acentuada pelo BC. Claro, é preciso levar em conta a recente elevação dos preços administrados (combustíveis e energia elétrica, por exemplo), que contribui para a resiliência inflacionária.

Quanto à política fiscal,  admito que as manobras orçamentárias – apelidadas de pedaladas fiscais – e a falta de cumprimento da meta de superávit primário em 2014 prejudicam a credibilidade institucional do país.

Entretanto, a dívida pública do Brasil encontra-se em patamar estável e relativamente baixo, longe de suscitar qualquer tipo de crise. A título de comparação, enquanto a dívida bruta do governo brasileiro representa algo em torno de 65% do PIB, o mesmo indicador para Alemanha, EUA e Japão está ao redor de 73%, 104% e 246%, respectivamente. Desta feita, a perda de confiança do investidor não parece uma boa candidata para explicar a desvalorização cambial,

Assim, se não há motivo para se questionar a solvência do governo brasileiro, por que a elevação da taxa de juros pagos sobre a dívida pública não reverteu a saída de capitais do país?

Opinaria que a resposta é simples, mas devo ressalvar que:

1. A recuperação dos EUA - mesmo que modesta - faz com que o mercado yankee de renda variável seja mais atrativo que o tupiniquim, o que explica parte da migração de recursos financeiros.

2. A prolongada recessão européia, com conspícuo epicentro na crise da dívida grega, tem o potencial de colocar o Euro e todo o projeto europeu em xeque. Dessa forma, a incerteza gerada pela conjuntura européia faz com que a aversão ao risco seja maior, o que leva os grandes fundos de pensão a reduzir suas posições em mercados emergentes.

3.Conforme anunciado, esse ano o Governo Federal não cumprirá a meta original de superávit primário pelo segundo ano consecutivo, o que reflete - em larga medida - a acentuada queda da receita tributária decorrente do desaquecimento da economia (3). 

Então, o que está acontecendo? Há uns 3 anos o BC começou a reduzir a taxa SELIC, em antecipação a uma eventual implosão do Euro, que só não ocorreu por que o presidente do BCE - Mario Draghi - garantiu que a instituição cumpriria seu papel de emprestador de última instância. Em paralelo, para manter o nível de preços sob controle, protelou-se o reajuste de tarifas e preços administrativos de itens como energia elétrica e combustíveis. Só em meados de 2013, os juros voltaram a aumentar e atingiram o patamar anterior no início de 2015, quando também retomou-se o reajuste dos preços administrativos. Dessa forma, os preços se elevaram mais rapidamente que a taxa SELIC, o que resultou em uma taxa real decrescente em 2015 (4). Ou seja, ocorreu uma redução da remuneração real paga pelos títulos públicos do país, o que explica a saída de capitais estrangeiros e a elevação da taxa de câmbio.

Portanto, a desvalorização cambial não é nenhuma surpresa e a resiliência inflacionária apenas atesta o peso do repasse cambial no controle de preços.

Logo, mesmo considerando que a repercussão da política monetária ocorre de maneira defasada, a necessidade de novas rodadas de elevação da taxa SELIC é corroborada pelos dados disponíveis, já que são absolutamente consistentes com o recente declínio da taxa de juros real, que constitui uma trajetória que não favorece a convergência da inflação (~9%) para a meta atual (4,5%-6,5%).


1. Câmbio e taxa SELIC


2. Desemprego e inflação


3. Finanças públicas

4. SELIC real



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