Wednesday, October 10, 2012

World Economic Outlook, outubro de 2012: Keynes emerge dos fatos

Sob os escombros deixados pela globalização da Crise do Subprime, evidenciaram-se duas grandes concepções sobre o funcionamento de uma economia capitalista. Aqui é proposital a abstração dos inúmeros matizes que integram o gradiente do pensamento econômico. Dito isso, a primeira, que remonta a origem da macroeconomia, admite que a ação do governo pode afetar o equilíbrio econômico, inclusive positivamente. Já para a segunda, o governo é um mal necessário apenas para garantir a segurança pública e o cumprimento dos contratos, sendo qualquer outra intervenção estatal um peso morto para a sociedade. Infelizmente, a segunda vertente tem prevalecido na formulação das políticas de “combate” à crise.


EUA e Europa se encontram em uma armadilha de liquidez, cuja maior causa é o excesso de endividamento PRIVADO. É simples compreender a situação, famílias endividadas cortam gastos para honrar seus compromissos, o que reduz a demanda por bens de consumo e por insumos necessários para produzi-los. Um desses insumos é especialmente importante: mão de obra. Dessa forma, eleva-se o desemprego e isso retro-alimenta o processo, pois se estar endividado não fosse o suficiente, estar desempregado certamente forçaria o corte de gastos, que, por sua vez, levaria a uma nova redução da demanda e do nível de emprego. Com isso, são acionados os mecanismos de auxílio aos desempregados e, evidentemente, elevam-se os gastos públicos. Em adição, a menor atividade econômica faz com que a arrecadação também seja menor e, em conjunto com a já mencionada elevação dos gastos, leva a um maior endividamento público. Resta claro então que o endividamento público é consequência da crise e não a sua causa (Ver demonstração para a Europa)

Como sair dessa sinuca? Se aqueles que consideram Keynes e a evidência factual estivessem comandando o jogo, o Estado aumentaria seus gastos e o resultado seria o aumento da demanda e do emprego, que, ao gerar pagamento de salários, aumentaria o consumo privado, o que, por sua vez, deflagraria nova rodada de aumento da demanda e do emprego. 

Duas questões: i) gastar em que? ii) e a inflação? 

Eis as respostas: i) Os norte-americanos poderiam revitalizar sua infraestrutura em pandarecos e prover auxílio aos Estados e Municípios, que, por conta da crise, tiveram que demitir muitos professores, policiais e bombeiros. Já os europeus poderiam patrocinar a proposta do Hollande de financiar projetos de infraestrutura, sem prejuízo da ação na frente monetária já exposta em post anterior. ii) A elevação dos gastos públicos não geraria inflação de início, pois estaria apenas movimentando trabalho e capital atualmente ociosos. Entretanto, com a economia se aproximando da utilização plena da capacidade, poderia haver inflação, mas isso não seria ruim. Nesse momento, a inflação ajudaria a corroer os elevados estoques das dívidas privadas e públicas. Assim, conforme os níveis de endividamento fossem baixando e a economia se recuperando, bastaria elevar gradualmente a taxa de juros básica da economia, atualmente próxima de zero, para conter a inflação.

O que de fato foi feito nos quatro anos que sucederam o colapso do Lehman Brothers? Em 2008 e 2009, os anos mais agudos da crise, os gastos públicos ganharam maior participação em um PIB decrescente, pelos motivos já expostos. Contudo, em vez de prover estímulo fiscal robusto para a retomada do crescimento, os países em crise adotaram inicialmente medidas tímidas, que, a partir de 2010, foram revertidas em um precoce e injustificável tique de austeridade fiscal. Novamente, o caso é simples. Nos domínios de uma armadilha de liquidez, se o governo reduzir seus gastos em bens e serviços, a demanda agregada já deprimida afunda ainda mais e leva com ela mais postos de trabalho. Como resultado, tem-se uma redução ainda maior da atividade econômica tributável, já que ocorre um número menor de circulação de mercadorias, menos pessoas auferem renda e etc. Portanto, ao cortar gastos, o Estado também reduz a sua receita tributária e o esforço para reduzir o endividamento torna-se contraproducente. Isso pôde ser visto na prática, os países endividados cortaram gastos a partir de 2010, o crescimento do PIB foi pífio desde então e a dívida tem aumentado ou reduzido muito pouco como proporção do PIB (Ver quadros abaixo).

Por que isso foi feito? Criou-se um discurso (já desabonadoaqui) de que a crise foi causada pelo endividamento público e, por isso, o esforço do Poder Público de “sanar” suas contas despertaria a confiança dos empresários, que, assim, investiriam mais e impulsionariam a retomada do crescimento. Tal discurso, defendido por gente como o ex-BCE Jean-Claude Trichet, deu origem ao termo Confidence Fairy (fada da confiança), que sintetiza o credo ingênuo de que a austeridade fiscal pode levar à aceleração do crescimento em uma economia em recessão. Basta uma pergunta para desmontar o discurso: se não há demanda em um horizonte projetável e a austeridade a reduz ainda mais, por que os empresários investiriam? Ninguém investe sem a expectativa de um retorno adequado.

Como pacificar a disputa entre as concepções? Existe um parâmetro que pode dizer qual visão de mundo se verificou no curso dessa crise: o multiplicador fiscal. Tal parâmetro nos diz quantos % o PIB varia quando elevamos ou reduzimos o resultado fiscal (déficit/superávit). Por exemplo, se o multiplicador é igual a 1,2, isso significa que um corte orçamentário de 10% do PIB teria como contrapartida uma contração na demanda, que resultaria em uma redução de 12% no PIB. Logo, se o multiplicador é maior que 1, a austeridade é contraproducente.

Contudo, organismos como FMI, Comissão Européia e OCDE, estavam sob a impressão de que o multiplicador seria algo em torno de 0,5. Esperava-se que a redução da participação estatal seria, em alguma medida, compensada pelo movimento dos empresários, presumidamente mais confiantes. Por isso, em suas projeções, a redução dos gastos públicos não desaceleraria tanto o crescimento do PIB.

Veio então a evidência empírica para desbancar essa visão, por meio de uma publicação do próprio FMI, o World Economic Outlook de outubrode 2012. Com base em dados de 2010/2011 para 28 economias, incluindo todas do G20, o FMI confrontou o crescimento do PIB previsto, como contrapartida da consolidação planejada, com o crescimento efetivo do PIB. A partir desse exercício econométrico, concluiu-se que, para cada 1% de ajuste fiscal (em relação ao produto potencial), houve um erro de projeção de crescimento equivalente a 1%. Mas por que houve um erro tão substancial? A resposta da publicação é que os multiplicadores foram subestimados ao largo. Estima-se que o parâmetro observado esteja entre 0,9 e 1,7, para a amostra de 28 países, no período de 2010-2011.

Portanto, resta evidente que um ajuste fiscal no âmbito de uma armadilha de liquidez é algo pouco inteligente e até cruel, pois, além de reduzir pouco o endividamento público, deprimi ainda mais a atividade econômica e mantém o desemprego elevado. Não há motivo para deixar de prover o estímulo necessário à recuperação econômica, exceto se houver uma agenda escusa para desmontar a estrutura de bem-estar social e aprofundar a natureza plutocrática das instituições políticas. Vamos torcer para que seja uma tolice genuína.


Quadros abaixo - fonte: FMI WEO Database

Gastos como proporção do PIB (2007=100)
 Consolidação fiscal a partir de 2010



PIB em moeda constante (2007=100)
O crescimento do PIB não foi suficiente para retomar os níveis de 2007, com exceção da Alemanha, que se beneficiou de um câmbio real competitivo,  e dos EUA, que contaram com um pacote de estímulos tímido, porém tempestivo, e com uma política monetária ativa.

Dívida líquida sobre PIB
A austeridade fiscal foi pouco efetiva para reduzir o endividamento dos países em crise.


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