EUA e Europa se encontram em uma armadilha de liquidez, cuja
maior causa é o excesso de endividamento PRIVADO. É simples compreender a
situação, famílias endividadas cortam gastos para honrar seus compromissos, o
que reduz a demanda por bens de consumo e por insumos necessários para
produzi-los. Um desses insumos é especialmente importante: mão de obra. Dessa
forma, eleva-se o desemprego e isso retro-alimenta o processo, pois se estar
endividado não fosse o suficiente, estar desempregado certamente forçaria o
corte de gastos, que, por sua vez, levaria a uma nova redução da demanda e do nível
de emprego. Com isso, são acionados os mecanismos de auxílio aos desempregados
e, evidentemente, elevam-se os gastos públicos. Em adição, a menor atividade
econômica faz com que a arrecadação também seja menor e, em conjunto com a já
mencionada elevação dos gastos, leva a um maior endividamento público. Resta
claro então que o endividamento público é consequência da crise e não a sua
causa (Ver demonstração para a Europa)
Como sair dessa sinuca? Se aqueles que consideram Keynes e a
evidência factual estivessem comandando o jogo, o Estado aumentaria seus gastos
e o resultado seria o aumento da demanda e do emprego, que, ao gerar pagamento
de salários, aumentaria o consumo privado, o que, por sua vez, deflagraria nova
rodada de aumento da demanda e do emprego.
Duas questões: i) gastar em que? ii) e a inflação?
Eis as respostas: i) Os norte-americanos poderiam revitalizar sua
infraestrutura em pandarecos e prover auxílio aos Estados e Municípios, que,
por conta da crise, tiveram que demitir muitos professores, policiais e
bombeiros. Já os europeus poderiam patrocinar a proposta do Hollande de
financiar projetos de infraestrutura, sem prejuízo da ação na frente monetária
já exposta em post anterior. ii) A elevação dos gastos públicos não geraria
inflação de início, pois estaria apenas movimentando trabalho e capital
atualmente ociosos. Entretanto, com a economia se aproximando da utilização
plena da capacidade, poderia haver inflação, mas isso não seria ruim. Nesse
momento, a inflação ajudaria a corroer os elevados estoques das dívidas
privadas e públicas. Assim, conforme os níveis de endividamento fossem baixando
e a economia se recuperando, bastaria elevar gradualmente a taxa de juros
básica da economia, atualmente próxima de zero, para conter a inflação.
O que de fato foi feito nos quatro anos que sucederam o
colapso do Lehman Brothers? Em 2008 e 2009, os anos mais agudos da crise, os
gastos públicos ganharam maior participação em um PIB decrescente, pelos
motivos já expostos. Contudo, em vez de prover estímulo fiscal robusto para a
retomada do crescimento, os países em crise adotaram inicialmente medidas
tímidas, que, a partir de 2010, foram revertidas em um precoce e injustificável tique de
austeridade fiscal. Novamente, o caso é simples. Nos domínios de uma armadilha
de liquidez, se o governo reduzir seus gastos em bens e serviços, a demanda
agregada já deprimida afunda ainda mais e leva com ela mais postos de trabalho.
Como resultado, tem-se uma redução ainda maior da atividade econômica tributável,
já que ocorre um número menor de circulação de mercadorias, menos pessoas
auferem renda e etc. Portanto, ao cortar gastos, o Estado também reduz a sua
receita tributária e o esforço para reduzir o endividamento torna-se
contraproducente. Isso pôde ser visto na prática, os países endividados cortaram gastos a partir de 2010, o crescimento do PIB foi pífio desde então e a dívida tem aumentado ou reduzido muito pouco como proporção do PIB (Ver quadros abaixo).
Por que isso foi feito? Criou-se um discurso (já desabonadoaqui) de que a crise foi causada pelo endividamento público e, por isso, o
esforço do Poder Público de “sanar” suas contas despertaria a confiança dos
empresários, que, assim, investiriam mais e impulsionariam a retomada do
crescimento. Tal discurso, defendido por gente como o ex-BCE Jean-Claude Trichet,
deu origem ao termo Confidence Fairy (fada da confiança), que sintetiza o credo
ingênuo de que a austeridade fiscal pode levar à aceleração do crescimento em
uma economia em recessão. Basta uma pergunta para desmontar o discurso: se não
há demanda em um horizonte projetável e a austeridade a reduz ainda mais, por
que os empresários investiriam? Ninguém investe sem a expectativa de um retorno
adequado.
Como pacificar a disputa entre as concepções? Existe um parâmetro que pode dizer qual visão de mundo se verificou no curso dessa crise:
o multiplicador fiscal. Tal parâmetro nos diz quantos % o PIB varia quando
elevamos ou reduzimos o resultado fiscal (déficit/superávit). Por exemplo, se o
multiplicador é igual a 1,2, isso significa que um corte orçamentário de 10% do
PIB teria como contrapartida uma contração na demanda, que resultaria em uma
redução de 12% no PIB. Logo, se o multiplicador é maior que 1, a austeridade é contraproducente.
Contudo, organismos como FMI, Comissão Européia e OCDE,
estavam sob a impressão de que o multiplicador seria algo em torno de 0,5. Esperava-se
que a redução da participação estatal seria, em alguma medida, compensada pelo
movimento dos empresários, presumidamente mais confiantes. Por isso, em suas
projeções, a redução dos gastos públicos não desaceleraria tanto o crescimento
do PIB.
Veio então a evidência empírica para desbancar essa visão,
por meio de uma publicação do próprio FMI, o World Economic Outlook de outubrode 2012. Com base em dados de 2010/2011 para 28 economias, incluindo todas do
G20, o FMI confrontou o crescimento do PIB previsto, como contrapartida da
consolidação planejada, com o crescimento efetivo do PIB. A partir desse exercício
econométrico, concluiu-se que, para cada 1% de ajuste fiscal (em relação ao
produto potencial), houve um erro de projeção de crescimento equivalente a 1%.
Mas por que houve um erro tão substancial? A resposta da publicação é que os
multiplicadores foram subestimados ao largo. Estima-se que o parâmetro
observado esteja entre 0,9 e 1,7, para a amostra de 28 países, no período de
2010-2011.
Portanto, resta evidente que um ajuste fiscal no âmbito de
uma armadilha de liquidez é algo pouco inteligente e até cruel, pois, além de reduzir
pouco o endividamento público, deprimi ainda mais a atividade econômica e mantém
o desemprego elevado. Não há motivo para deixar de prover o estímulo necessário
à recuperação econômica, exceto se houver uma agenda escusa para desmontar a
estrutura de bem-estar social e aprofundar a natureza plutocrática das
instituições políticas. Vamos torcer para que seja uma tolice genuína.
Quadros abaixo - fonte: FMI WEO Database
Gastos como proporção do PIB (2007=100)
Consolidação fiscal a partir de 2010
PIB em moeda constante (2007=100)
O crescimento do PIB não foi suficiente para retomar os níveis de 2007, com exceção da Alemanha, que se beneficiou de um câmbio real competitivo, e dos EUA, que contaram com um pacote de estímulos tímido, porém tempestivo, e com uma política monetária ativa.
Dívida líquida sobre PIB
A austeridade fiscal foi pouco efetiva para reduzir o endividamento dos países em crise.



No comments:
Post a Comment