1. Referência a Schumpeter: “Defensor
entusiasmado do capitalismo e da fecundidade do espírito empresarial - do
"entrepreneur" - enfatizou a importância da "destruição
criativa" do capitalismo como mola propulsora dos avanços em todas as
esferas da sociedade. É provável que, ao se domesticar o capitalismo, ao
controlar artificialmente suas forças cíclicas naturais, pode-se ter
esclerosado grande parte de suas virtudes, de sua força criativa e renovadora.”
O trecho
acima faz alusão ao capítulo O Processo de Destruição Criativa, do livro Capitalismo,
Socialismo e Democracia. No processo de “destruição criativa”, haveria o
desparecimento de uma estrutura produtiva e o surgimento de uma nova,
decorrente de alguma inovação. Nesse ínterim, postos de trabalho desapareceriam
e os trabalhadores que os ocupavam não seriam capazes de migrar de imediato
para o setor emergente, ou por não possuírem as habilidades necessárias, ou por
outras dificuldades como a diferença de localização. Dessa forma,
transitar-se-ia por um estado recessivo temporário, associado ao ajuste
estrutural da oferta agregada, que, em última instância, resultaria em uma
estrutura produtiva mais eficiente. Portanto, caso o Estado interviesse neste
momento, por exemplo, provendo subvenções às empresas dos setores cadentes, a
acomodação da oferta à inovação seria dificultada e seus ganhos adiados, na
melhor das hipóteses.Contudo, a recessão que observamos hoje nos EUA e na Europa decorre da falta de demanda efetiva e não de um ajuste estrutural da oferta. Como o próprio autor coloca, “Consumidores sobre-endividados poupam toda renda adicional para reduzir suas dívidas”. Em outras palavras, a desalavancagem do setor privado mantém deprimidos o consumo e o investimento, conforme é demonstrado para o caso da Europa em post anterior. Por conseguinte, uma política fiscal mais ativa poderia ser empreendida para restabelecer o pleno emprego, sem o risco de "esclerosar" as "molas propulsoras" do progresso.
2. Limite de endividamento: “Governos
sobre-endividados, que gastam mais do que arrecadam, correm o risco de perder a
credibilidade e não serem mais capazes de refinanciar suas dívidas. Uma
verdadeira sinuca de bico.”
A partir
de que ponto um governo seria considerado “sobre-endividado”? O governo do
Japão possui uma dívida líquida que representa 112% do seu PIB e paga uma taxa em
torno de 0,8% a.a. sobre seus títulos da dívida
de 10 anos. Já a razão dívida-PIB de Alemanha, França, Reino Unido e EUA
equivale a, respectivamente, 56%, 80%, 71% e 73%. Não obstante,
pagam aos credores de mesmo prazo as taxas anuais de 1,5%, 2,2%, 1,65% e 1,55%. Será que algum desses países
parece sequer se aproximar de uma crise de endividamento? Raramente um país de
porte razoável, que possui instituições sólidas e emite sua própria moeda terá
problemas de credibilidade, mesmo quando seu endividamento for tão substancial
quanto o do Japão. Portanto, é muito provável que os governos dos países
supracitados possam estimular a recuperação econômica, com recursos advindos da
emissão de dívida, sem ameaçar sua credibilidade ou sustentabilidade da dívida.(Alemanha e França não estão em situação tão ruim, mas, se quiserem salvar o Euro, devem pensar de forma sistêmica - vide post anterior)
3. Duas restrições ao uso do instrumental keynesiano: “A aplicação do
remédio keynesiano é hoje questionável. A possibilidade de que estejamos
próximos de duas restrições, que eram ainda distantes nos anos 1930, exige,
efetivamente, repensar os rumos do capitalismo. A primeira é o limite do
tolerável - no sentido de não vir a se tornar disfuncional - da participação do
Estado na economia. Em toda parte, até mesmo onde o capitalismo nunca foi
seriamente questionado, como nos Estados Unidos, houve, ao longo de todo o
século XX, sistemático aumento da carga fiscal e da participação do Estado na
renda nacional. As respostas, tanto para a crítica econômica - da instabilidade
intrínseca - quanto para a critica social - da desigualdade crônica - ao
capitalismo, levaram ao aumento da participação do Estado na economia.
A segunda nova restrição é a proximidade dos limites
físicos do planeta. É evidente que não será possível continuar indefinidamente
com a série de ciclos de expansão do consumo material, alimentado pela turbina
do crédito, até uma nova crise, que só se resolve com mais crescimento. A menos
que haja uma radical mudança tecnológica, será preciso encontrar a fórmula do
aumento do bem-estar numa economia estacionária. A mudança tecnológica não
parece provável, pois a questão do ambiente é um caso clássico de bens
públicos, que o mercado não precifica de forma correta. Pode-se dizer que os
problemas do capitalismo são decorrentes do seu sucesso. As respostas
desenvolvidas para aplacar as críticas, quanto à instabilidade intrínseca e à
injustiça social, levaram a um extraordinário aumento do consumo material e da
participação do Estado na renda.”
Quanto à
primeira restrição, o autor apenas diz que a participação do Estado na economia
pode atingir um patamar em que se torna disfuncional e que há a possibilidade
de os EUA estarem próximos dele. Contudo, não é apresentada nenhuma evidência,
empírica ou bibliográfica, de que tal limiar está próximo ou sequer existe.
Dessa maneira, conclui-se que se trata apenas de um sentimento do autor, o que
não requer contra-argumento.Já no caso da segunda restrição, é invocado um ponto que também me preocupa, o limite físico do planeta. É fato que os nossos recursos naturais, em especial os combustíveis fósseis, dificilmente comportariam a universalização do padrão de consumo dos países desenvolvidos. Apenas para se ter noção da distância entre padrão de consumo do Brasil e de países como os EUA, em 2011, o consumo de gasolina do Estado da Califórnia (37 MM hab.) foi de 55,4 bilhões de litros, enquanto em todo o Brasil (190 MM hab.), o mesmo dado foi da ordem de 35,4 bilhões de litros. Contudo, observar a eventual convergência do Brasil é menos preocupante do que olhar para o conturbado movimento de urbanização ora em curso na África e na Ásia. A ONU estima que, até 2050, a população urbana da África aumentará de 414 milhões para 1,2 bilhões e a da Ásia de 1,9 bilhões para 3,3 bilhões. Isso implicará um consumo mais intensivo em energia, o que pressionará ainda mais as reservas de combustíveis fósseis. Considerando que, mantida a atual produção mundial de petróleo constante, demoraríamos apenas 54 anos para exaurir as atuais reservas, de fato é necessário repensar o crescimento de longo prazo à luz dos limites físicos da Terra. Entretanto, a preocupação com o impacto dos novos 2,2 bilhões africanos e asiáticos urbanos não impede que se criem condições para incorporar os milhões de desempregados do mundo desenvolvido ao mercado de trabalho. Segundo o FMI, desde a crise de 2008, o número de pessoas empregadas caiu 9,5 milhões e a população aumentou 16,5 milhões, nas economias consideradas avançadas. Assim, o estímulo suficiente para contrabalancear os efeitos da crise deveria restaurar algo em torno de 26 milhões de empregos, o que pressionaria muito pouco o estoque de recursos naturais, quando comparado ao inexorável movimento da população do campo para as cidades (Quadro abaixo).
Portanto, argumento algum do autor, por si só ou em conjunto, se aproveita para advogar contra o “receituário keynesiano”, segundo o qual o governo deve executar seu orçamento de maneira anticíclica, poupando nos períodos de bonança e elevando os déficits diante de uma recessão.

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