No papel, o Euro é uma ideia irada sob duplo aspecto. No plano econômico, a moeda única reduz custos de transações, favorecendo a integração comercial e financeira. Sob o prisma político, o Euro aprofundaria a integração européia, criando a coesão econômica e geopolítica necessária para fazer frente aos EUA. Essa era exatamente a linha de argumentação de Bob Mundell, a principal referência em questões de unificação monetária, e da corrente de economistas que acabou predominando.
Contudo, há uma enorme desvantagem: os países que adotam a moeda comum perdem completamente o controle sobre sua política monetária e cambial, o que é bastante preocupante frente às restrições fixadas pelo tratado de Maastricht para a política fiscal. Além disso, a Zona do Euro não constitui uma área monetária ótima, pois há claras barreiras culturais à mobilidade de mão de obra (ex: línguas muito diferentes), não há mecanismo automático de transferência fiscal e não há evidência de que os ciclos de negócios coincidam.
Dessa forma, os países que tivessem menor influência nas decisões do bloco ficariam mais suscetíveis aos efeitos de um choque assimétrico. E é exatamente o que ocorre atualmente, enquanto a Espanha enfrenta uma grave recessão (com desemprego acima de 20%), a Alemanha apresenta bom crescimento e a menor taxa de desemprego desde a criação do Euro. Diante deste cenário, o Banco Central Europeu (BCE) tem conduzido sua política de juros de maneira mais favorável à Alemanha, inclusive elevando a taxa de juros em 2011 sob a mais remota ameaça de inflação, em detrimento da dolorosa recessão pela qual passam os países como a Espanha. Em adição, os desempregados dos países em recessão tendem a não migrar para a Alemanha simplesmente por que não falam alemão, assim elevam a necessidade de auxílio social, onerando os cofres públicos em um quadro de receitas fiscais decrescentes. Ainda, como não há transferências fiscais para os países em dificuldades, estes não podem se valer da política fiscal como desfibrilador da economia – já que o Tratado de Maastricht limita o déficit e a dívida pública a 3% e 60% do PIB, respectivamente - , o que agrava os efeitos da falta de controle sobre a política monetária e cambial.
Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha e Itália (GIPSI) tiveram trajetórias bastante parecidas. Em maior ou menor grau, a criação da Zona do Euro gerou um deslumbramento que aproximou a avaliação de risco desses países ao da Alemanha que, em tese, zelaria pela moeda única. Isso desencadeou enorme influxo de capitais estrangeiros, acelerou o crescimento econômico, com significativa ênfase no setor imobiliário, e, dessa forma, reduziu o desemprego e elevou os salários e demais custos.
Tudo corria bem até o estouro da bolha tulipácea em 2008, que reduziu o valor dos imóveis, arrefeceu o crescimento econômico e, assim, elevou o desemprego vertiginosamente. Com isso, reduziu-se o consumo privado, frente a um cenário de elevado endividamento privado e exigência de austeridade fiscal no âmbito de uma recessão.
Isso pode ser visto em 10 quadros:
1. Produto Interno Bruto: Alemanha, França e os GIPSI, que responderam por cerca de 83% do PIB da Zona do Euro em 2011, cresceram rapidamente desde a introdução da moeda única. Considerando 2001 como ano base (=100), tem-se o gráfico abaixo. Dessa forma, pode-se ver que nos primeiros 6 anos do EURO (2002-2007), Irlanda, Grécia e Espanha cresceram mais de 45% (>6% a.a.) e os demais também observaram crescimento expressivo (>3,5% a.a). Já nos 4 anos de crise (2008-2011), Alemanha e França parecem ter retomado a trajetória de crescimento anterior, enquanto os demais ainda produzem abaixo do patamar pré-crise ou estão patinando ao redor do mesmo patamar.
2. Desemprego: Como resultado do aumento da atividade econômica, com exceção de Portugal, os países analisados observaram redução dos níveis de desemprego nos primeiros 6 anos do Euro. Entretanto, o advento da crise de 2008 elevou o indicador a níveis alarmantes (>12%) em Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha, permanecendo ainda em patamares moderados na Itália, França e Alemanha.
3. Endividamento privado: Na euforia que marcou os 6 primeiros anos do Euro, empresas e famílias da Irlanda (202%), Portugal (130%) e Espanha (127%) (não há dados p/ Grécia) elevaram bruscamente o endividamento, como percentual da renda. Por conseguinte, os três países observam endividamento privado acima de 127% da renda, o que implica um doloroso processo de desalavancagem. Enquanto isso, Alemanha França e Itália observam o mesmo indicador em patamares inferiores a 90%.
4. Consumo privado (base2001=100): A desalavancagem por que passam Espanha, Irlanda e Portugal faz com que empresas e famílias gastem menos para honrar suas dívidas e, assim, desencoraja o consumo privado e abranda a atividade econômica.
Como Alemanha, Itália e França não passam pelo mesmo processo, a trajetória do consumo privado desses países parece pouco afetada.
5. Receita fiscal (base2001=100): O arrefecimento da atividade econômica reduziu bruscamente a arrecadação dos governos da Irlanda, Grécia e Espanha, que ainda têm receitas menores que o nível anterior à crise. Já Alemanha, Itália, França e Portugal conseguiram retomar o crescimento das receitas, em decorrência da recuperação econômica mais significativa.
6. Gastos públicos (base2001=100): O crescimento dos gastos dos governos da Irlanda, Espanha, Grécia e Portugal, assim como dos demais países, se aceleraram a partir da crise de 2008, já que foram acionados mecanismos do sistema de bem-estar social relacionados com o auxílio a desempregados.
7. Déficit público: Com exceção da Grécia, os países que hoje passam por uma recessão não são acometidos pela indisciplina fiscal. Aliás, Irlanda e Espanha operavam com superávit público antes da crise e os demais países operavam com déficits sustentáveis. No entanto, a crise de 2008, ao reduzir a arrecadação e elevar os gastos, mudou drasticamente esse quadro, pois ocasionou déficits maiores em todos os países. Porém, passados os anos mais agudos da crise (2009 e 2010), os países têm tomado uma trajetória de redução dos déficits públicos.
8. Endividamento público: Ao contrário do que reverbera nas manchetes econômicas, a crise não foi deflagrada por endividamento público. Exceto a Grécia, todos os países mantinham a dívida pública estável, como proporção do PIB, e em patamares razoáveis. Novamente, Irlanda e Espanha possuíam um estoque de dívida baixíssimo de cerca de 11% e 26% do PIB, respectivamente, e foi exatamente o estouro da crise que acentuou o endividamento público dos países da zona do Euro como um todo. Mesmo assim, a Espanha, considerada hoje o epicentro da crise, pela sua importância (13% do PIB da zona do EURO) e pelo seu grau de depressão econômica (1/5 da PEA desempregada em 2011), observou em 2011 um endividamento equivalente ao da Alemanha (56%-57% do PIB). Por isso, não se pode dizer que o principal determinante da recessão européia é o endividamento público.
9. Câmbio real (base2001=100): Entre os países submetidos à moeda única, o câmbio real é dado pelo diferencial de inflação. Assim, um país perde competitividade em relação a todos os países nos quais a inflação é inferior a dele. Considerando a Alemanha como referencial, pode-se ver que nos primeiros anos do Euro, a Irlanda e os países do sul da Europa tiveram seu câmbio real valorizado frente à Alemanha, devido a maior inflação resultante do influxo de capitais para esses países.
10. Exportações: Devido a essa forte apreciação do câmbio real, nos anos posteriores à eclosão da crise, apesar da desaceleração da perda de competitividade (ou até mesmo da reversão no caso da Irlanda), o crescimento das exportações não chegou nem perto de ser suficiente para solucionar o problema do desemprego elevado e do baixo crescimento do PIB na Irlanda e nos países do sul da Europa.
Em síntese, os países em recessão contam com um consumo restringido pelo endividamento privado, o que mantém a atividade econômica deprimida e o desemprego elevado que, por sua vez, também reduz o consumo e resulta em um processo retroalimentativo. Esse círculo vicioso poderia ser quebrado de duas formas. A primeira seria o BCE perseguir uma meta de inflação mais elevada, o que elevaria os preços onde a atividade econômica estivesse mais aquecida e aumentaria a competitividade das exportações dos países em recessão. A segunda opção seria os países em melhor situação transferirem recursos fiscais para que aqueles em recessão pudessem aumentar o investimento público e, assim, dar o impulso necessário para retirar suas economias dessa sinuca. Contudo, os países que tem maior influência dentro do Euro, em especial a Alemanha, dificilmente concordariam com qualquer uma das alternativas. Portanto, é muito provável que os países em sofrimento permaneçam em recessão nos próximos 10 anos ou simplesmente prefiram sair do Euro.
Fontes:
Eurostat
http://epp.eurostat.ec.europa.eu/tgm/table.do?tab=table&init=1&language=en&pcode=tec00104&plugin=1
FMI
http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2012/01/weodata/weoselco.aspx?g=2001&sg=All+countries
FRED (St. Louis FED)
http://research.stlouisfed.org/fred2/categories/32264










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