Monday, September 13, 2010

Irã Repensado





No post anterior, afirmei que a degradação fiscal e a recessão econômica que assolam os EUA reduziriam a margem para eventual invasão do Irã. Não obstante, reflexão mais cuidadosa sugere ser possível um epílogo menos pacífico. Examinando mais de perto a conjuntura política yankee, os multiplicadores de renda e o desfecho da Grande Depressão, fico um pouco mais inquieto, embora ainda pense que um novo século americano seja uma possibilidade remota.
Olvidados de John Maynard Keynes, os EUA adentraram a armadilha da liquidez, onde os juros beiram zero - o que significa que a política monetária tradicional perdeu tração - e o desemprego se prolifera em ambiente progressivamente deflacionário.  Se fosse qualquer outra nação, isso não afetaria o sono dos governantes do Heartland, entretanto, trata-se do país com o maior poderio militar do globo e histórico de atacar problemas econômicos com soluções bélicas.
Ao assumir a Casa Branca no início de 2009, a primeira grande tarefa do presidente Obama era propor um pacote de estímulo econômico capaz de fazer frente à mais severa crise financeira desde 1929. Para dificultar a vida de Obama, a usual polarização partidária se refletia na opinião econômica de acadêmicos, conselheiros, profissionais e políticos.
Por um lado, o diagnóstico keynesiano apontava para uma demanda efetiva insuficiente e, por conseguinte, o receituário correspondente era aumentar os gastos públicos na mesma proporção do colapso de consumo e investimento privados.
Por outro lado, tal visão era contraposta pela idéia de que a crise representava o fim de um ciclo econômico e, dessa forma, o desemprego elevado seria mero reflexo de um ajuste do arcabouço produtivo, necessário para dar início a um novo ciclo. Logo, recomendava-se cortar impostos com fito em catalisar a transição.
Posto de outra forma, os keynesianos identificavam um problema de demanda efetiva, enquanto os conservadores conjecturavam uma readequação da oferta agregada.
Qual lado o presidente Obama escutou? Infelizmente, tentou acomodar ambas as visões. Na época, Obama vislumbrava soluções bipartidárias para o país, baseadas em acordos harmoniosos entre Democratas e Republicanos.  Desafortunadamente, Obama se deixou influenciar por tais devaneios políticos em uma situação que exigia visão mais próxima do “chão de fábrica”. Assim, o projeto encaminhado ao Congresso em 2009 trazia estímulo de US$ 800 bilhões diante de um hiato do produto de US$ 2,9 TRILHÕES, segundo estimativas do Congress Budget Office para o horizonte bienal. Além de sua dimensão acanhada, 40% dos US$ 800 bilhões assumiam a forma de isenções fiscais virtualmente inócuas, inclusas para abarcar os escusos intentos republicanos.
Dessa forma, ao tentar abarcar percepções diametralmente opostas, motivado por ilusões bipartidárias, Obama desperdiçou as condições políticas favoráveis de que dispunha no início de seu governo, quando sua taxa de aprovação gravitava em torno de 65% e os democratas detinham 253 dos 435 assentos da Câmara e 59 dos 100 assentos do Senado.
Agora, conforme cessam os efeitos do insípido estímulo econômico, o desemprego bate 9,3%, o subemprego atinge 18,6% e, conseqüentemente, a popularidade de Obama despenca para 45% e descortina-se cenário bastante desfavorável para as eleições de novembro próximo, com 53% dos norte americanos declarando intenção de eleger legisladores republicanos. Portanto, daqui em diante será praticamente impossível passar pelo Congresso qualquer rodada adicional de estímulo econômico, ainda mais da magnitude necessária para retirar os EUA da armadilha da liquidez.
Sem embargo dos fatos, vamos supor que a política fiscal seja uma opção, apenas por diversão. Nesse caso, que tipo de gasto surtiria mais efeito em termos de elevação da renda? Auerbach & Gorodnichenko (2010) pode nos ajudar a pensar. Segundo os autores, durante uma recessão, cada US$ 1 gasto pelo governo em consumo corrente eleva a renda em US$ 2,11, enquanto investimento público aumenta em US$ 2,85 e gastos militares US$ 3,56, conforme pode ser visto na figura abaixo. Portanto, o maior multiplicador de renda está associado aos dispêndios bélicos.
Opa! Quem gosta de guerra? Certamente os republicanos gostam um bocado, já que isso os permite acessar os excedentes do poderoso complexo industrial armamentista. E quem quer minorar a dor de milhões de trabalhadores americanos desempregados ou subempregados? Seguramente os democratas, mas talvez não ao custo de uma guerra.
Contudo, não seria a primeira vez que isso acontece. Isso mesmo, estou pensando em Pearl Harbor. Um ataque japonês à base do Pacífico, enquanto as mais importantes armas navais dos EUA repousavam em San Diego, permitiu a entrada dos Yankees na Segunda Grande Guerra. A partir disso, o intenso esforço de guerra finalmente criou demanda agregada suficiente para alavancar a saída dos EUA da armadilha da liquidez em que se encontravam desde 1929.
Não é possível estabelecer causalidade inequívoca entre a Grande Depressão e a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial, mas também não há dúvida de que, apesar das baixas, a empreitada militar os beneficiou largamente ao dar início aos anos dourados da economia americana. Não estou dizendo que houve um plano premeditado para resolver o imbróglio econômico por vias militares. Afirmo apenas que as circunstâncias políticas e diplomáticas podem tornar a opção de guerrear muito atraente para ambos os partidos.
Como isso se relaciona com o Irã? Pense bem, o gabinete de Obama não tem chances reais de aprovar programa efetivo de gastos. Ao mesmo tempo, o Irã tem sido irredutível quanto à inspeção internacional de seu programa nuclear e os Republicanos adorariam a idéia de um ataque preventivo. Em adição, o apoio imediato do lobby da indústria bélica seria endossado por grupos interessados nos negócios de reconstrução e petróleo. Além disso, do ponto de vista geopolítico, a ocupação do Irã (10%) consolidaria o acesso a 754 bilhões dos 1,3 trilhões de barris das reservas mundiais, já que os demais países dotados de grandes reservas como Arábia Saudita (20%), Iraque (18,6%), Kuwait (7,6%) e Emirados Árabes (7%) possuem governos favoráveis aos EUA. Com isso, os EUA garantiriam fácil acesso a mais da metade das reservas conhecidas de petróleo, o que é bastante conveniente dado que eles consomem 22% do que é extraído anualmente.
Portanto, qualquer ataque terrorista ou incidente equivalente ao ocorrido em 11 de setembro de 2001, mesmo que apenas longinquamente atrelado ao Irã, poderia resultar na ocupação do país pelos EUA e forças de coalizão, pois:

1.       Geraria demanda efetiva em período de recessão.
2.       Consolidaria acesso a recurso escasso e estratégico
3.       Encontraria apoio junto a congressistas, pressionados por poderosos lobbies.



Entenda. Não afirmo que o Irã será inexoravelmente invadido, observo apenas que há barris de pólvora assentados sobre tecido embebido em combustível. Ou seja,  o que eu quero dizer é que se eu fosse o presidente Ahmadinejad, não brincaria com fogo no recinto.



Multiplicadores de renda





Participação de países do Oriente médio nas reservas mundiais de petróleo em 2009



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