Friday, August 6, 2010

O que Malthus não poderia ter previsto


Quando o influente demógrafo e economista Thomas Malthus tornou pública, no ano de 1798, sua preocupação a respeito de eventual colapso social, ao observar que a população crescia em PG e a produção de alimentos em PA, não poderia de forma alguma prever os formidáveis ganhos de produtividade, advindos da conversão da energia de combustíveis fósseis em trabalho. Malthus vislumbrava um momento em que o crescimento populacional atingiria o limite da geração de alimentos e estagnaria ou até mesmo seria revertido. Contudo, a estrutura produtiva, logística e energética, centrada na queima de hidrocarbonetos, proporcionou aumento da produção e bem-estar material sem precedentes nos registros da humanidade, representando drástica quebra estrutural para a dinâmica populacional e produtiva que Malthus observara.

Um dos principais responsáveis pela reversão da tendência observada por Malthus foi o motor de combustão interna, que permitiu a mecanização da agricultura e encurtou os espaços geográficos ao revolucionar os transportes, ensejando a migração de grande parte da população para o meio urbano. A partir daí, a sociedade passava a produzir quantidade cada vez maior de alimentos com porções cada vez menores da força de trabalho, intensificando o processo de urbanização e superando a restrição alimentar identificada por Malthus. Por conseguinte, a concentração nos meios urbanos ampliou o acesso a hospitais e serviços de saneamento básico que, conjuntamente, reduziram índices de mortalidade em todas as faixas etárias. Em adição, elevou-se também o ócio produtivo, materializado na massificação da educação e no crescimento da atividade de pesquisa que, por sua vez, deram origem a inovações e aperfeiçoamentos tecnológicos incrementais, responsáveis por novas rodadas de aumento da produtividade e da expectativa de vida do cidadão médio.

O resultado do processo descrito acima foi a explosão da população mundial que, apesar de ter completado 1 bilhão somente por volta do 1800º ano do calendário cristão, ultrapassou a fronteira dos 6,6 bilhões dentro de um intervalo pouco maior que 200 anos (Figura 1). Fora isso, o padrão de vida material também melhorou dramaticamente a partir deste marco, conforme mostra a série de PIB mundial per capta construída a partir das estimativas de Maddison (2001) para o período que se estende desde o ano anterior ao início do calendário gregoriano (ano “zero”) até 1998. Nos primeiros 1820 anos do calendário atual, a renda per capta cresceu apenas 0,02% a.a., elevando-se de US$ 444 para US$ 667, enquanto que nos 179 anos seguintes cresceu 1,2% a.a. e atingiu US$ 5.709 em 1998 (Figura 2).

Não obstante, a matriz energética que permite que tamanha quantidade de seres humanos possa usufruir desse padrão de consumo historicamente incomparável está assentada sobre base nitidamente frágil: os combustíveis fósseis, que embora ainda disponíveis em quantidades relativamente confortáveis, não podem ser repostos pela natureza à mesma velocidade que nós os consumimos e um dia fatalmente se esgotarão. Ainda hoje, petróleo, gás natural e carvão são absolutamente essenciais para a manutenção do padrão de vida corrente, dado que respondem por 88% (Figura 3) da energia primária consumida no mundo atualmente, o que inclui a conversão em eletricidade, cuja geração também é altamente dependente de recursos não renováveis.

Você, que é brasileiro, deve estar pensando: Mas 84%³ da eletricidade consumida por nós em 2009 foi produzida por hidrelétricas, não? De fato é verdade, porém quando olhamos a matriz de consumo primário completa não saímos tão bem na foto, apesar de nos sairmos melhor que o restante. Petróleo (46,2%), gás natural (8,1%) e carvão (5,2%) representaram 59,5% da energia consumida em 2009, sobrepujando tanto a fonte hidráulica (39,2%) quanto a nuclear (1,3%), ou seja, também somos altamente dependentes de recursos não renováveis. Em adição, no resto do mundo a situação não é tão confortável nem quando olhamos apenas energia elétrica. De toda energia que alimenta computadores, ilumina lares e transmite informações ao redor do planeta, apenas 16% provem da geração hidráulica, os demais 84% dividem-se entre termelétricas movidas a combustíveis fósseis (70%) e usinas nucleares (14%). As demais fontes renováveis são ainda mais decepcionantes. Se somarmos toda a capacidade instalada de geração geotérmica, solar e eólica, o montante é pouco menor que 0,001% do consumo global.

E quanto ao futuro, será tão dependente de combustíveis fósseis? A resposta parece ser sim, pelo menos em um futuro próximo. As nações de grande porte que mais crescem atualmente são a China e a Índia, que possuem matriz energética igualmente contaminada pelos hidrocarbonetos não renováveis. A China, que hoje é a maior propulsora do PIB mundial, obtém 92,9% de sua energia primária de petróleo (18,6%), gás natural (3,7%) e carvão (70,6%). Em pé de igualdade; 94,1% da energia primária consumida na Índia também é oriunda de petróleo (31,7%), gás natural (10%) e carvão (52,4%). Note que há ainda um agravante, tanto China (70,6%) quanto Índia (52,4%) tem como principal componente da matriz energética o carvão, que apesar de relativamente abundante é o mais poluente dos combustíveis fósseis.


Resumo da ópera:

1. A base tecnológica que deu origem a civilização do petróleo tornou possível crescimento populacional extraordinário, acompanhado por elevação dos padrões de vida igualmente notável.

2. A estrutura material criada é extremamente dependente da utilização de recursos não renováveis (e altamente poluentes, mas a questão do aquecimento global fica pra depois).

3. Não há sinais de mudança em um futuro próximo.





Figura 3 - Composição da matriz energética mundial
Figura 2 - Evolução do PIB per capta mundial
(Clique aqui para acessar a base de dados)



Figura 1- Evolução da população mundial

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